O TRANSTORNO BIPOLAR (TB), TAMBÉM CHAMADO TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR (TAB) É CARACTERIZADO PELA ALTERNÂNCIA DE FASES MANÍACAS OU HIPOMANÍACAS COM PERÍODOS DE NORMALIDADE E EPISÓDIOS DEPRESSIVOS. EXISTEM DOIS TIPOS PRINCIPAIS DE TRANSTORNO BIPOLAR: O TIPO 1 E O TIPO 2. A DIFERENÇA CENTRAL ENTRE ELES ESTÁ NA PRESENÇA DE FASES MANÍACAS BEM CARACTERIZADAS NO PRIMEIRO E AUSÊNCIA DESTAS NO SEGUNDO.
O que são fases maníacas?
Alegria patológica ou euforia e elação (sentimento de engrandecimento ou expansão do Eu) são a base das fases maníacas, chamadas também de episódios maníacos. Além disso quase sempre são observados sinais de aceleração das funções psíquicas. Tal aceleração é chamada de taquipsiquismo e se manifesta através de: agitação psicomotora; exaltação; produção verbal rápida, fluente e persistente (loquacidade), podendo chegar a estados de grande aceleração e perda da lógica do discurso (logorréia); tendência irresistível de falar sem parar (pressão de discurso); distratibilidade; pensamento acelerado e, em geral, impreciso; aumento da energia; e diminuição da necessidade de sono. A atitude do indivíduo nesta fase pode ser alegre e brincalhona ou irritada, arrogante.
Outros sinais e sintomas também costumam ser observados, tais como: aumento da auto estima, o indivíduo se sente mais potente, superior; irritabilidade em graus variados; arrogância; heteroagressividade; desinibição social e sexual, levando o indivíduo a comportamentos inadequados em seu meio e que não realizaria normalmente; tendência exagerada de comprar objetos ou doar seus pertences de modo descontrolado; envolvimento excessivo em atividades arriscadas, como investimentos ou gastos insensatos; e idéias de grandeza, poder ou importância social que podem chegar a configurar verdadeiros delírios, podendo haver alucinações (em geral auditivas e com conteúdo de grandeza).
Um episódio maníaco tem duração maior que uma semana e causa enorme prejuízo no funcionamento social ou profissional de indivíduo, muitas vezes é necessária internação hospitalar.
Hipomania
A hipomania ou episódio hipomaníaco é uma apresentação atenuada do episodio maníaco, passando muitas vezes despercebida pelas pessoas, não recebendo assim atenção médica adequada.
Nestas fases o individuo mostra humor elevado ou irritável, com disposição maior que o normal. Em geral fala mais do que o habitual, conta piadas, faz muitos planos, não se ressente com as dificuldades. Pode ter autoestima inflada ou grandiosidade, loquacidade, pensamento acelerado, distratibilidade, aumento da atividade motora ou agitação, envolvimento em atividades com grande potencial para conseqüências negativas (indiscrições sexuais, exposições desnecessárias, gastos, investimentos insensatos, entre outras). Sua necessidade de sono pode estar diminuída, não se sentindo cansado, mesmo após muitas atividades.
No episódio hipomaníaco sintomas psicóticos (delírios e alucinações) estão ausentes, o funcionamento do indivíduo não é gravemente afetado como na mania e não são necessárias internações.
Diagnóstico
O Transtorno Bipolar Tipo 1 sempre cursa com episódios maníacos (um ou mais), e pode ou não cursar com episódios depressivos ou hipomaníacos. Já o Transtorno Bipolar Tipo 2 cursa sempre com ao menos um episódio hipomaníaco (um ou mais) em alternância com períodos de normalidade e episódios depressivos maiores (um ou mais).
Para a descrição de episódio depressivo maior, clique aqui.
As conseqüências do Transtorno Bipolar tipo 1 envolvem o enorme prejuízo das fases maníacas e, algumas vezes, dos episódios depressivos. Além desses danos durante os episódios, algumas vezes, podem ocorrer prejuízos cognitivos e prejuízo do funcionamento social mesmo nos períodos de normalidade. Ainda que a maioria dos indivíduos com esta patologia retornem a um nível totalmente normal e funcional entre os episódios, é estimado que 30% mantenham prejuízo importante no funcionamento profissional entre as fases.
O Transtorno Bipolar Tipo 2, apesar de não apresentar fases maníacas, também leva a sofrimento significativo e prejuízo do funcionamento social, profissional ou em outras áreas da vida. Tais agravos são causados pelos sintomas depressivos e pela imprevisibilidade do quadro, decorrente alternância freqüente entre períodos de depressão e hipomania. Muitos indivíduos com esse quadro acabam passando diretamente de uma fase para outra (depressiva ou hipomaníaca) sem recuperação entre os episódios e uma parte (15%) dos que apresentam restabelecimento entre as fases continuam a ter alguma disfunção entre os episódios.
Epidemiologia
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o transtorno bipolar afeta aproximadamente 30 milhões de pessoas em todo o mundo, é uma importante causa de incapacidade. A estimativa internacional de prevalência ao longo da vida do transtorno bipolar tipo I (TB-I) é de aproximadamente 0,6% e do transtorno bipolar tipo II (TB-II) é de 0,4%. Na cidade de São Paulo, a taxa encontrada de prevalência de transtorno bipolar (sem diferenciação de subtipos) ao longo da vida foi de 1%. A distribuição desta prevalência é bastante similar entre homens e mulheres.
Fatores de risco e prognóstico
A história familiar de transtorno bipolar é um dos fatores de risco mais fortes e consistentes para transtornos dessa categoria. Há, em média, risco 10 vezes maior entre parentes adultos de indivíduos com transtornos bipolar tipo I e tipo II. A intensidade do risco aumenta com o grau de parentesco.
Com relação ao prognósticos existem alguns dados bem estabelecidos. A ocorrência de um episódio maníaco com sintomatologia psicótica aumenta a probabilidade de os episódios maníacos subseqüentes serem também psicóticos. O padrão de ciclagem rápida está associado a pior prognóstico. Maior nível educacional, menos anos de doença e estar casado têm associação com melhor recuperação funcional no transtorno bipolar.
O risco de suicídio
O risco de suicídio em pessoas com transtorno bipolar é estimado em pelo menos 15 vezes o risco da população geral. O transtorno bipolar pode responder por um quarto de todos os suicídios. História pregressa de tentativa de suicídio e o percentual de dias passados em depressão no ano anterior estão associados com risco maior de tentativas de suicídio e sucesso nessas tentativas.
No transtorno bipolar tipo 2, cerca de um terço dos indivíduos relata história de tentativa de suicídio ao longo da vida. As taxas de prevalência de tentativas de suicídio durante a vida são semelhantes nos transtornos bipolar tipo 1 e tipo 2 (32,4 e 36,3%, respectivamente).
Tratamento
O tratamento dos transtornos bipolares é focado no controle da fase aguda e na prevenção de recidivas durante a fase de manutenção. Também envolve estratégias diferentes para cada fase que o paciente que está vivenciando: mania ou hipomania ou depressão.
Na grande maioria das vezes o tratamento ocorre ambulatorialmente, mas em alguns casos, em especial nas fases agudas, pode ser necessária internação hospitalar.
Tratamentos farmacológicos
A principal abordagem farmacológica do transtorno bipolar está no uso de estabilizadores de humor, muitas vezes em associação com outros psicofármacos (antipsicóticos, antidepressivos e benzodiazepínicos), e no uso antipsicóticos.
O estabilizador de humor mais conhecido e utilizado é o lítio (ou carbonato de lítio), mas existem medicamentos anticonvulsivantes que são também estabilizadores de humor e que são utilizados na psiquiatria. Entre eles estão a carbamazepina, oxcarbamazepina, valproato (ácido valproico ou divalproato de sódio) e lamotrigina.
Os benzodiazepínicos de alta potência como o clonazepam e lorazepam podem ser usados em associação com os estabilizadores de humor para controle da agitação, insônia, agressividade e disforia da fase maníaca.
Os antipsicóticos tanto os atípicos (os mais modernos) quanto os típicos (mais antigos) podem ser usados tanto nas fases agudas quanto na profilaxia. Os antipsicóticos atípicos mais utilizados são: olanzapina, risperidona, quetiapina, ziprasidona e aripiprazol; e os antipsicóticos típicos mais usados são haloperidol e clorpromazina. Na maioria das vezes esse medicamentos são usados apenas na fase aguda, mas algumas pessoas também precisam de tratamento de manutenção com um medicamento antipsicótico.
Nos episódios depressivos, a utilização dos antidepressivos deve ser cuidadosa pela propensão a induzir ciclagem, mania ou hipomania. Por isso são, em geral, associados a estabilizadores de humor ou antipsicóticos. Há ainda uma grande quantidade de bipolares na fase deprimida que não respondem ao tratamento com antidepressivos padrão, nesses casos as associações com outros psicofármacos também podem ser necessárias.
A escolha do antidepressivo é feita com basenas características do quadro agudo e no perfil de efeito colateral menos prejudicial a condição física, temperamento e estilo de vida do indivíduo. Existem muitos antidepressivos de diferentes classes disponíveis atualmente, muitos com mecanismos de ação bem distintos.
Entre os antidepressivos e as classes de mecanismo de ação existentes estão os inibidores seletivos da recaptação da serotonina: fluoxetina, sertralina, paroxetina, fluvoxamina, citalopram, escitalopram; inibidores da recaptação de norepinefria (ou noradrenalina): desipramina, nortriptilina, maprotilina, reboxetina e atomoxetina; os inibidores da recaptação de noradrenalina e serotonina: amitriptilina, doxepina, duloxetina, imipramina, trimipramina, venlafaxina, desvenlafaxina, milnacipran; agentes serotoninérgicos pré e pós sinápticos: nefazodona e mirtazapina; inibidores da recaptação de dopamina: bupropiona, amineptina; os agentes de ação mista: amoxapina, clomipramina e trazodona e os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs): tranilcipromina e moclobemida.
Outros fármacos também podem ser utilizados dependendo de indicações de benefícios, falha de tratamentos ou refratariedade aos medicamentos habituais. Entre estes medicamentos estão verapamil, gabapentina, topiramato, entre outros.
Para todas as medicações utilizadas no tratamento do transtorno bipolar - estabilizadores de humor, antipsicóticos, antidepressivos, benzodiazepínicos e outros - é importante lembrar que cada medicamento está associado com um perfil de efeito colateral e de segurança único e individual, não sendo possível prever a resposta de cada um. Muitas vezes, é necessário tentar diferentes medicamentos antes que o tratamento ideal seja encontrado.
Medidas importantes no tratamento
Apesar da importância inegável dos psicofármacos na abordagem deste transtorno, existem outras medidas importantes que podem ser tomadas.
É de valiosa importância a orientação dos portadores do transtorno e de seus familiares quanto à doença, aos sinais de alerta, aos riscos, aos tratamentos propostos e à importância da adesão.
A regularidade das consultas e o contato precoce com o médico no caso de sintomas emergentes ou riscos percebidos (abandono do tratamento, suicídio, comportamentos lesivos, uso de substâncias, etc) são medidas essenciais.
Outros tratamentos
A psicoterapia pode ser bastante benéfica, podendo também ser indicada aos familiares do doente.
A eletroconvulsoterapia (ECT) também pode ser utilizada no tratamento do transtorno bipolar. Na mania aguda a ECT é reservada para pacientes com quadro refratário (raro) e para aqueles que apresentem complicações ou riscos graves. A eletroconvulsoterapia pode ser útil para pacientes com depressão bipolar que não respondem aos estabilizadores do humor e a seus adjuvantes, em especial nos casos em que tendência suicida intensa se apresente como uma emergência médica.