esquizofrenico

Esquizofrenia

A esquizofrenia é uma síndrome caracterizada por um conjunto de disfunções cognitivas, comportamentais e emocionais. As alterações mais expressivas são delírios, alucinações, pensamento desorganizado, comportamento motor desorganizado ou anormal e sintomas negativos. 

 

Diagnóstico & Quadro Clínico

Entre os sinais e sintomas observados na esquizofrenia estão obrigatoriamente delírios, alucinações e/ou discurso desorganizado. Outros sintomas como comportamento motor desorganizado, catatonia e sintomas negativos podem também estar presentes de modo variável e heterogêneo.

O nível de funcionamento em uma ou mais áreas importantes da vida (trabalho, educação, relações interpessoais, auto cuidado, entre outras) ficam acentuadamente abaixo do funcionamento anterior ou do funcionamento esperado, por período significativo de tempo desde o aparecimento da perturbação.

A presença de alterações é persistente mas a expressão varia de indivíduo para indivíduo e de acordo com o tempo de curso da doença. O curso abrange uma fase prodrômica, uma ativa e uma residual. Na fase prodrômica (fase que antecede o início da esquizofrenia) ocorrem sintomas de alterações cognitivas, ansiedade, perplexidade, terror ou depressão e esses sintomas podem estar presentes durante meses antes do estabelecimento de um diagnóstico definitivo. Na fase ativa é quando ocorre o surto psicótico propriamente dito, com exacerbação dos delírios e alucinações e na fase residual a sintomatologia costuma ser mais amena e predominantemente negativa.

ndivíduos com esquizofrenia apresentam diversificações substanciais na maior parte das características, uma vez que é uma síndrome clínica bastante variada.

Essa diversificação é observada em especial nos sintomas positivos. Indivíduos podem apresentar temáticas delirantes variadas; manifestar diversas crenças incomuns ou estranhas; descrever alucinações típicas ou percepções raras, como por exemplo sentir a presença de uma pessoa invisível; seu discurso pode ser completamente ilógico ou até ser compreensível, mas vago, com tangencialidade e abrangência excessiva; pode apresentar comportamento bizarro ou apenas incomum, mas não tão desorganizado, como por exemplo murmurar em público.

Os sintomas negativos são usuais, e variam quanto a gravidade. Por exemplo: indivíduos que eram socialmente ativos podem ficar retraídos e isolados em relação a rotinas anteriores. Déficits cognitivos são comuns na esquizofrenia e fortemente associados a prejuízos profissionais e funcionais. Esses déficits podem incluir alterações na memória, na linguagem, na atenção, bem como velocidade de processamento mais lenta.  

Indivíduos com esquizofrenia podem exibir afeto inadequado como por exemplo rir na ausência de estímulos para isso; alterações do humor que podem assumir a forma de depressão, ansiedade ou raiva; padrão de sono perturbado, como sono durante o dia e atividade durante a noite; e falta de interesse em se alimentar ou recusa da comida. Ansiedade e fobias são comuns.

Hostilidade e agressão podem estar associadas a esquizofrenia, embora agressão espontânea ou aleatória não seja comum. A agressividade é mais freqüente em indivíduos do sexo masculino, mais jovens e em pessoas com história anterior de violência, não adesão ao tratamento, abuso de substâncias e impulsividade. É importante lembrar que a grande maioria das pessoas com esquizofrenia não é agressiva, e são vítimas de violência com mais freqüência do que a população geral.

O prejuízo no funcionamento dos portadores de esquizofrenia pode estar presentes em variados graus e em diversas áreas, incluindo trabalho, relações interpessoais e auto-cuidados.  A esquizofrenia está associada a significativa disfunção social e profissional.

O progresso educacional e acadêmica e a manutenção do emprego costumam ficar prejudicadas pela abulia (falta de vontade ou interesse) ou por outras manifestações do transtorno, mesmo quando as habilidades cognitivas estão suficientemente preservadas para as tarefas a serem realizadas.

A maior parte dos indivíduos com esquizofrenia tem empregos inferiores e a maioria, especialmente os homens, não se casa ou tem contato social limitado fora da família.

Alguns sinais neurológicos leves também podem ocorrer em indivíduos com esquizofrenia e incluem prejuízos na coordenação motora, na integração sensorial e no seqüenciamento motor de movimentos complexos. Além disso, podem ocorrer anomalias físicas leves da face e dos membros.

Atualmente não há exames laboratoriais, radiológicos ou testes psicométricos para o transtorno, apesar de a esquizofrenia já estar bem estabelecida como transtorno cerebral, com anormalidades estruturais e funcionais, visíveis inclusive em estudos de neuroimagem.

 


Classificação

Como já descrito, a apresentação da esquizofrenia é bastante variável. Por isso muitos autores se utilizam de classificações em subtipos de esquizofrenia para caracterizar de modo mais específico a síndrome apresentada. Os subtipos usualmente descritos e suas principais características estão descritas abaixo:

  • Paranóide: É caracterizado principalmente pela presença de delírios de perseguição ou grandiosidade. Alucinações auditivas são freqüentes, relacionadas a um tema único, geralmente persecutório. Os indivíduos em geral se mostram tensos, desconfiados, contidos, reservados e por vezes hostis ou agressivos. Não apresentam incoerência ou frouxidão de associações no discurso, nem afeto aplainado ou extremamente inadequado, nem comportamento catatônico ou extremamente desorganizado. A inteligência permanece preservada e a idade de início é mais tardia.
  • Desorganizado (ou Esquizofrenia Hebefrênica): Caracterizado por regressão acentuada a comportamento primitivo, desinibido e caótico. Há incoerência do discurso, com mudanças bruscas e desconexas de um tópico a outro (frouxidão de assosciações), afeto plano ou extremamente inadequado e alteração profunda do pensamento. A aparência do indivíduo é descuidada, com expressões faciais incongruentes e o início do quadro é precoce, geralmente antes dos 25 anos de idade.
  • Catatônico: A principal característica é a perturbação acentuada da função motora. Envolve rigidez, estupor, ecopraxia e o indivíduo pode se manter em posições estranhas e desconfortáveis por longos períodos de tempo. Em alguns momentos pode ocorrer excitação sem objetivos lógicos, com risco de causar ferimentos a si e a terceiros. Mutismo, ecolalia e outras perturbações da fala podem ocorrer. Muitas vezes apresentam desnutrição, exaustão ou hiperpirexia (febre muito elevada) sendo necessárias intervenções e cuidados médicas intensivos.
  • Indiferenciado: É caracterizado por comportamento extremamente perturbado, com delírios, alucinações e incoerência proeminentes e não se enquadram nos outros subtipos.
  • Residual: Caracterizado pela remissão de delírios, alucinações, incoerências proeminentes e comportamentos desorganizados mas com persistência de sintomas residuais negativos, tais como embotamento afetivo, retarimento social, entre outros.
  • Deteriorante Simples (ou Esquizofrenia Simples): É caracterizada pela perda gradual de motivação e ambição. Com freqüência sintomas psicóticos não são evidentes e o indivíduo não vivencia alucinações ou delírios persistentes. O sintoma central é o retraimento social.


Distribuição & Freqüência

(Epidemiologia)

A prevalência da esquizofrenia (total de casos/população) é de quase 1% na população geral e a distribuição é similar entre homens e mulheres. 

O início do quadro ocorre principalmente entre os 15 e 35 anos, sendo que mais da metade dos casos iniciam antes dos 25 anos.

A idade do aparecimento é mais tardia nas mulheres e a apresentação sintomática difere entre os sexos biológicos, nas mulheres os sintomas tendem a ser mais afetivos, com maior freqüência de sintomas psicóticos e menor de sintomas negativos e desorganização. São bastante raros casos que iniciem antes dos 10 ou após os 45 anos de idade. 

Quanto a etnia, a prevalência é maior em populações não brancas.

O transtorno é mais freqüente em grupos de baixo poder aquisitivo e é mais comum em cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Há também alta freqüência de casos entre imigrantes recentes. Quanto a etnia, a prevalência é maior em populações não brancas.


Causas & Fatores de Risco

Não existe fator único que possa ser considerado causador, o indivíduo que desenvolve a esquizofrenia possui uma vulnerabilidade biológica específica que diante da exposição a alguns fatores, que podem ser chamados de estressores, resulta na expressão da doença. Esses estressores podem ser genéticos, biológicos e psicossociais ou ambientais.

Os fatores genéticos mostram importante contribuição na determinação do risco para para esquizofrenia. Até o momento já foram identificados alguns alelos de risco que também são associados a outros transtornos mentais, incluindo transtorno bipolar, depressão e transtorno do espectro autista.

Existem diversas hipóteses e teorias no que se refere às causas biológicas da esquizofrenia. Tais hipóteses consideram o envolvimento de neurotransmissores e seus receptores na causa dos sintomas. Os neurotransmissores em questão são dopamina, noradrenalina, serotonina, ácido gamaminobutírico (GABA) e glutamato. 

Idade avançada dos pais e complicações na gestação e no nascimento, em especial hipóxia (falta de oxigênio), estão associadas a maior risco de esquizofrenia para o feto. Além disso, outras adversidades no pré-natal e no perinatal, incluindo estresse, infecções, desnutrição, diabetes materno e outras condições médicas, mostram associação com a esquizofrenia. É importante ressaltar, entretanto, que a grande maioria dos bebês com esses fatores de risco não desenvolve a doença.

Entre os fatores ambientais alguns estão relacionados com aumento da probabilidade de desenvolver a esquizofrenia: a estação de nascimento (indivíduos nascidos no inverno e final da primavera apresentam maior probabilidade), o ambiente de crescimento (a incidência da esquizofrenia é mais alta em crianças que crescem em ambientes urbanos); contaminação da mãe pelo vírus da gripe durante a gravidez.

Os fatores psicossociais estão em geral associados com recaídas em pacientes esquizofrênicos. Famílias com níveis elevados de emoção expressa, com comportamentos de envolvimento excessivo e intrusivo estão relacionadas a altas taxas de recaídas. 


Curso da Esquizofrenia

O transtorno costuma ser crônico, com curso que abrange uma fase prodrômica, uma ativa e uma residual. Os sintomas psicóticos tendem a diminuir ao longo da vida, talvez em associação ao declínio normal na atividade dopaminérgica relacionada ao envelhecimento. Os sintomas negativos tendem a ser mais persistentes. Além disso, déficits cognitivos associados à doença podem não melhorar ao longo do seu curso.

A esquizofrenia, mesmo na fase residual (após a atenuação dos sintomas da fase ativa), cursa com prejuízos cognitivos e sintomas negativos, contribuindo para a incapacidade e deterioração relacionada à doença. Sintomas como retraimento social, desligamento emocional, desatenção, prejuízos no processamento de informações, pensamento concreto, má higiene, entre outros costumam se manter mesmo fora da fase ativa.

Nos casos de início tardio (após os 40 anos de idade) o curso é caracterizado por predominância de sintomas psicóticos com preservação do afeto e do funcionamento social.

A queixa de sintomas depressivos estão presentes em metade dos casos.


Prognóstico da Esquizofrenia

O prognóstico parece favorável em cerca de 20% das pessoas com esquizofrenia, e um número bem pequeno de indivíduos é referido como tendo obtido recuperação completa. No entanto, a vasta maioria dos indivíduos com esquizofrenia ainda necessita de apoio formal ou informal na vida cotidiana. Muitos permanecem cronicamente doentes, com períodos recorrentes de exacerbações e remissões de sintomas da fase ativa, ao passo que outros apresentam deterioração progressiva.

O índice de recidiva de atividade (dos sintomas psicóticos) é de 40% em até dois anos do controle da fase ativa em pacientes usando medicamento e de 80% sem o uso de medicação.

Cerca de 20% dos indivíduos com esquizofrenia tentam suicídio em uma ou mais ocasiões e 5 a 6% deles obtêm sucesso. O risco de suicídio é elevado durante o ciclo de vida para ambos os sexos biológicos, mas é especialmente alto em indivíduos do sexo masculino, mais jovens e com uso de substâncias comórbido. Outros fatores de risco para o suicídio incluem sintomas depressivos, sentimentos de desesperança e desemprego. O risco aumenta também no período após um episódio psicótico ou alta hospitalar.

Há ainda risco de violência, em especial entre os doentes sem tratamento, com delírios de perseguição, história de violência e distúrbios neurológicos.

Os esquizofrênicos apresentam expectativa de vida menor com relação a população geral, riscos maiores de doenças metabólicas e outras condições médicas e sua taxas e causas de mortalidade também diferem da população normal. O risco de morte súbita é maior nos portadores de esquizofrenia do que na população geral e a principal causa de morte em portadores do transtorno é o suicídio.


Tratamentos

Os medicamentos antipsicóticos são o pilar do tratamento para a esquizofrenia, no entanto, intervenções psicossociais, incluindo psicoterapia, podem contribuir para a melhora clínica quando combinadas ao regime de tratamento farmacológico.

Farmacoterapia

 

Fase Ativa (Psicose Aguda): Os sintomas psicóticos agudos exigem intervenção imediata. Na fase aguda o tratamento é voltado para aliviar os sintomas psicóticos mais graves. Essa fase em geral dura de 4 a 8 semanas e normalmente está associada com agitação grave, que pode ser conseqüência de delírios assustadores, alucinações, desconfiança, uso de substâncias, entre outros.

Os antipsicóticos e os benzodiazepínicos podem controlar a agitação com bastante rapidez. Com os muito agitados muitas vezes é preciso aplicar a medicação intramuscular para um efeito mais rápido.

É importante lembrar que alguns antipsicóticos podem causar efeitos colaterais agudos, em especial após injeção intramuscular. Os benzodiazepínicos também são eficazes para agitação durante a fase aguda e seu uso pode reduzir a quantidade de antipsicótico necessária para controle sintomático. 

 

Fase de Estabilização (Manutenção): Nesta fase, o quadro está em um estágio relativo de remissão. Os objetivos do tratamento são prevenção de recidiva de sintomas psicóticos e  melhora do nível de funcionamento do indivíduo.

Na fase de manutenção, o quadro se torna mais estável, com persistência de sintomas psicóticos mínimos, e mesmo assim o uso de antipsicótico deve ser continuado. Sem a manutenção do tratamento nesta fase o risco de recaída ou recidiva da fase aguda aumenta entre 30 e 50%.

Mesmo indivíduos em tratamento e que apresentaram apenas um episódio apresentam risco de recaída significativo ao longo dos próximos cinco anos, mas interromper a medicação aumenta esse risco em cinco vezes.

O tratamento farmacológico de manutenção deve ter duração prolongada, muitos autores sugerem um mínimo de 5 anos e alguns recomendam a farmacoterapia por tempo indeterminado. 

Efeitos Colaterais: O uso de antipsicóticos com freqüência mostra efeitos colaterais antes de alcançar melhora.  A resposta clínica pode demorar semanas para ocorrer após o início do medicamento, já os efeitos colaterais ocorrem quase imediatamente.

Os efeitos colaterais mais observados com o uso de antipsicóticos incluem sedação, hipotenção postural, efeitos anticolinérgicos e extrapiramidais. Ocorre elevação dos níveis de prolactina, o que pode levar a galactorréia (produção de leite) e desregulação menstrual. .

 

Resistência ao Tratamento: Ao iniciar o uso de antipsicótico na fase aguda, aproximadamente 60% dos indivíduos apresentam melhora significativa (com controle dos sintomas psicóticos graves), 40% no entanto terão uma melhora parcial mas continuarão a apresentar sintomas psicóticos refratários ao tratamento.

Antes de considerar um indivíduo resistente a um determinado medicamento, é importante que ele tenha feito uma tentativa de tratamento adequada com o medicamento. Uma tentativa que dure de 4 a 6 semanas em uma dose adequada de um antipsicótico é considerada adeququada para a maioria das pessoas. Também é importante confirmar que a dose prescrita seja suficiente e se de fato a pessoa está usando o prescrito. 

Pessoas que mostram mesmo uma leve melhora nesse período podem continuar a melhorar progressivamente por até 3 a 6 meses.

Se o indivíduo estiver respondendo apenas parcialmente mesmo com dose adequada, pode ser necessário aumentar a dose acima do nível terapêutico habitual ou mudar para outro medicamento.

 

Falta de adesão: A falta de adesão ao tratamento antipsicótico de longo prazo é muito alta. Até 50% dos doentes deixam de usar o medicamento em 1 ou 2 anos.

Uma das formas utilizadas para aumentar a adesão é o uso de medicamentos injetáveis de ação prolongada, ao invés dos orais. Assim as pessoas não precisam lembrar diariamente dos horários e tomadas de medicamentos e níveis sanguíneos do medicamento não sofrem variação diária, facilitando o estabelecimento de uma dose eficaz mínima.

Na introdução dos medicamentos de ação prolongada é necessária ainda uma suplementação do antipsicótico via oral temporária até que o nível no sangue adequado seja atingido.

Não são todos os antipsicóticos, no entanto, que apresentam esta formulação. Flufenazina e haloperidol têm formulações de ação prolongada injetáveis. Formulações da risperidona, paliperidona, aripiprazol e olanzapina também existem mas nem todas estão disponíveis no Brasil.

Terapias Psicossociais

As terapias psicossociais mostram bons resultados quando associadas ao tratamento farmacológico. Essa parte do tratamento inclui grande variedade de métodos para aumentar as habilidades sociais, a autossuficiência, as habilidades práticas e a capacidade de comunicação interpessoal em pessoas com esquizofrenia.  O objetivo central é capacitar indivíduos com esquizofrenia a desenvolver habilidades sociais e vocacionais para uma vida independente.

Os métodos comumente usados são Treinamento de habilidades sociais, Terapia de família, Terapia de grupo, Terapia cognitivo comportamental, Terapia vocacional, Arteterapia, Treinamento cognitivo, entre outros.

 

Outros Tratamentos

A eletroconvulsoterapia (ECT) pode ser usada com bons resultados tanto na fase aguda quanto crônica. Medicamentos antipsicóticos são administrados durante e após o tratamento com ECT.